01 Setembro 2023
Em 2020, organizações exigiram anulação de medida que facilitava contrabando de madeira; Eduardo Bim, ex-presidente do Ibama e autor do despacho, também é réu.
A reportagem é de Leila Salim, publicada por Observatório do Clima, 30-08-2023.
Na última segunda-feira (28/8), o ex-ministro do Meio Ambiente e atual deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) tornou-se réu, acusado de liderar organização criminosa que contrabandeava madeira nativa extraída ilegalmente da Amazônia para os Estados Unidos e a União Europeia. A denúncia foi feita pelo Ministério Público Federal e acolhida pela Justiça Federal no Pará.
A origem da investigação é anterior à Operação Akuanduba, da Polícia Federal, de maio de 2021 e que culminou com a demissão de Salles do MMA em junho no mesmo ano. Um ano antes, em junho de 2020, uma ação civil pública (ACP) da sociedade civil exigiu a anulação do despacho emitido pelo então presidente do Ibama, Eduardo Bim, que liberou a exportação de madeira nativa sem fiscalização.
A ACP foi movida contra a União e o Ibama, impetrada pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), o Greenpeace e o Instituto Socioambiental (ISA), com apoio técnico do Observatório do Clima, na Justiça Federal do Estado do Amazonas. Eduardo Bim, que também virou réu nesta semana no mesmo processo, despachou a medida em fevereiro de 2020.
“Em plena terça-feira de Carnaval, o presidente do Ibama liberou exportações de madeira nativa sem autorização do órgão. A mudança na regra favorece a comercialização de madeira ilegal, um grande problema na Amazônia. Na ocasião, um servidor do Ibama criticou a medida e acabou sendo demitido pelo ministro Ricardo Salles. (…) Se as ações de fiscalização contra o crime na Amazônia diminuem, madeireiros ilegais têm estrada aberta, literalmente, para desmatar”, disse o Greenpeace quando a ação foi movida.
O despacho de Bim foi assinado vinte dias após a Associação de Exportadores de Madeira do estado do Pará (Aimex) solicitar o fim das inspeções, consideradas “complicadas” e “obsoletas” pelos madeireiros. Bim ignorou parecer emitido pela área técnica do próprio Ibama contra a medida e exonerou o principal autor do documento.
A ACP da sociedade civil foi a primeira a pressionar o poder público e jogar luz sobre o despacho de Bim, identificado como uma flagrante captura da estrutura do Ibama para atender aos interesses de madeireiros e facilitar o crime ambiental. Em maio de 2021, a Polícia Federal começou a investigar os crimes de facilitação de contrabando, corrupção, advocacia administrativa e prevaricação. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Salles e ao MMA e, com o decorrer das investigações da Operação Akuanduba, Bim e mais nove servidores foram afastados do Ibama e do MMA por 90 dias.
As investigações da operação Akuanduba foram enviadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes para a Justiça Federal do Pará quando Salles pediu demissão do ministério, perdendo o foro privilegiado – e adiando o indiciamento tempo o bastante para poder se candidatar a deputado federal sem ser preso. Bim cumpriu os 90 dias de afastamento e retornou ao comando do Ibama em agosto de 2021. Saiu do órgão apenas no dia 1º de janeiro deste ano, exonerado pelo novo governo.
A denúncia do Ministério Público Federal acolhida pela Justiça Federal no Pará nesta semana abarcou, ao todo, 22 pessoas supostamente envolvidas no esquema de facilitação da exportação ilegal de madeira nativa. Além de Salles e Bim, foram indiciados servidores e funcionários que ocuparam cargos de confiança no Ibama no período. Também estão na lista madeireiros que seriam os beneficiários do esquema de contrabando.
Segundo o MPF, “os agentes privados, diretamente e por meio das associações, diligenciaram perante os mais altos escalões do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama para obter um tipo de anistia geral pelos crimes perpetrados (contrabando e falsidade ideológica) e para facilitar o contrabando de cargas futuras de madeira”. O texto lista um conjunto de apreensões de madeira realizadas nos Estados Unidos e aponta que a estrutura do Ibama foi utilizada para validar as cargas retidas por falta de documentação.
A denúncia descreve ainda o funcionamento da organização criminosa e destaca que “era direcionada a cometer quantidade indeterminada de crimes de caráter transnacional (facilitação ao contrabando) para favorecer os interesses de agentes privados que exportaram madeira sem autorização do Ibama (praticando contrabando). Funcionava de forma estruturada. A Ricardo Salles e Eduardo Bim cabia o comando. Nomeavam e exoneravam servidores (Salles fazia nomeações com a indicação de Bim) de forma a colocar em cargos estratégicos as pessoas dispostas a patrocinar os interesses privados ilegítimos na Administração Pública”.
Salles tornou-se réu pelos crimes previstos no artigo 2º da Lei 12850/2013, (“promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”), pelos artigos 318 (“facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho”) e 321 (“Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”) do Código Penal Brasileiro e pelo artigo 69 da Lei nº 9.605/1998 (“obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais”).
É a segunda vez que o advogado paulista se torna réu por fraude ambiental. Em 2018, dez dias antes de ser empossado ministro, Salles foi condenado em primeira instância por fraudar o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Tietê, em São Paulo.
Procurado pela reportagem, Ricardo Salles não se manifestou, como de hábito.
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Salles vira réu em investigação originada por ação da sociedade civil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU